Alex Beard era professor de uma escola no sul de Londres até que começou a se sentir estagnado na profissão e decidiu sair em busca de ideias alternativas. Em uma viagem que incluiu mais de 20 países, Beard visitou escolas que desenvolvem ferramentas e métodos inovadores de ensino para enfrentar os desafios do século 21. A jornada deu origem ao livro "Natural Born Learners", em que ele não apenas reúne os exemplos mais relevantes, como também reflete sobre quais devem ser as principais questões que a educação vai enfrentar nas próximas décadas. "A criatividade, a capacidade de resolver problemas e a importância dos professores são os grandes desafios das escolas. E tudo isso em meio à grande incógnita de como lidar com novas tecnologias e inteligência artificial", afirmou. Confira abaixo a entrevista que Beard concedeu à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, durante o Hay Festival, em Cartagena, na Colômbia.
BBC News Mundo - Quais são os piores erros que estão sendo cometidos na educação atualmente?
Alex Beard - É uma boa pergunta, que devemos nos fazer com urgência. Olha, eu comecei como professor em uma escola no sul de Londres, na Kent Road — que, para você ter uma ideia, é a propriedade mais barata no jogo Monopoly (Banco Imobiliário) — e me toquei que estava aplicando os métodos que Sócrates usava na ágora, há cerca de 2 mil anos, para ensinar crianças que tinham telefones celulares e viviam no futuro.
Acho que esse é o maior erro que estamos cometendo atualmente: as escolas permaneceram no passado e, com esses métodos ultrapassados, passamos 12 anos nas salas de aula, por isso é muito difícil mudar nossos conceitos sobre como a escola deve ser. O segundo desafio que a educação enfrenta hoje é que não se sabe claramente em que focar, levando em consideração o futuro. Quando me vejo de novo na sala de aula, me vejo como um professor que ensina crianças a passar em uma prova. Para que tirem uma nota aceitável, que é o que elas precisam, na prática, para passar de ano na escola.
BBC News Mundo - E isso não tem nada a ver com a formação de profissionais do futuro...
Beard - Exatamente, estamos treinando (esses alunos) para empregos e profissões que os robôs poderão realizar no futuro. Está claro para mim que não estou preparando (esses alunos) para o que vem por aí. E o erro que estamos cometendo é que colocamos muita culpa nos professores. Acredito que devemos transformar o professor em uma das pessoas mais importantes da sociedade. Porque, no fim das contas, são eles que vão moldar nossa criatividade, nossa coesão social, que vão estabelecer os alicerces que levam a criar uma economia forte e sustentável.
Devemos nos esforçar para dar a eles autonomia e fortalecer seu profissionalismo, em vez de culpá-los porque as gerações mais jovens não estão à altura do que se espera.
BBC News Mundo - Nesse sentido, quais habilidades os professores devem ensinar na sala de aula para preparar os alunos para o futuro?
Beard - Acho que as crianças exigem três coisas. A primeira é aprender a pensar, mas de maneira condizente com os desafios do futuro. Elas devem pensar de forma crítica sobre o mundo, sobre o papel que desejam exercer a partir de um conhecimento profundo de si mesmas.
A segunda é aprender a agir, mas sobretudo, a como ser pessoas criativas. Agora estamos enfrentando desafios imensos na área ambiental, o aumento da desigualdade, um cenário em que muitos trabalhos serão realizados por máquinas... Portanto, vamos precisar que as crianças desenvolvam a fundo sua criatividade. E isso significa que as crianças não devem apenas aprender a ser criativas, mas também a trabalhar com a ajuda de novas tecnologias, em conjunto com outras pessoas.
E a terceira é aplicar essa criatividade na resolução dos problemas que o mundo moderno apresenta. Para cuidar de si mesmos e das pessoas ao seu redor. À medida que a sociedade se torna cada vez mais polarizada, os estudantes precisam desenvolver inteligência emocional para serem capazes de se conectar e ter empatia com outras pessoas, sejam da sua comunidade ou a nível global. Mas, acima de tudo, aprender a entender seu próprio desenvolvimento emocional, para ser capaz de gerenciar seu bem-estar em um mundo em que, a cada dia, é mais difícil viver.
BBC News Mundo - Há um tema presente em seu livro: o papel da educação em ajudar a buscar 'o sentido das coisas que estamos fazendo'.
Beard - Uma das coisas que estão transformando a maneira como entendemos a educação são as pesquisas sobre como nosso cérebro funciona, no campo da psicologia, do desenvolvimento inicial e até da neurociência.
uma das coisas que os cientistas cognitivos descobriram é que há uma hierarquia em nossas experiências, cujos resultados nos levam a aprender. Se insistirmos em repetir e memorizar, você vai reter uma certa quantidade de conhecimento e vai aprender até certo ponto. Mas se as coisas que você está aprendendo causam uma reação emocional — ou seja, fazem você se sentir entusiasmado, triste, confuso e assim por diante —, você pode reter mais conhecimento do que por meio da 'decoreba'.
O mais importante é que tanto os pesquisadores quanto psicólogos chegaram à mesma conclusão: quando o aprendizado faz sentido para os alunos, ele realmente acontece.
BBC News Mundo - E o que significa o aprendizado fazer sentido?
Beard - Pode ser que um ensinamento tenha sentido porque há uma profissão específica que você quer seguir, e você espera que o aprendizado te ajude a conseguir esse trabalho e a executá-lo.
Mas essa é uma visão muito estreita da aprendizagem. Uma coisa pode fazer muito sentido para você porque é algo que você adora fazer. É importante para você como pessoa. Talvez você goste de matemática, de aprender novos idiomas, de música. E, quando você começa a fazer essas coisas que ama, elas fazem sentido para você, porque têm a ver com sua identidade e sua maneira de se expressar. As pessoas podem, inclusive, encontrar sua própria expressão ao criar códigos. Por exemplo, quando essa ideia se torna uma busca criativa ou você consegue encontrar significado no que faz, ao ver que está ajudando a resolver um problema sobre questões que são importantes para você no mundo.
Portanto, pode ser que você tenha interesse nas mudanças climáticas, se importe com a crescente desigualdade na sociedade, e se puder aplicar o aprendizado nas salas de aula para tentar resolver problemas relacionados a esses temas, então você vai encontrar significado no aprendizado e na aplicação desse aprendizado.
BBC News Mundo - O livro fala sobre a conexão entre aprendizado, tecnologia e inteligência artificial. É possível que a profissão de professor seja considerada obsoleta no futuro?
Beard - Bom... uma das razões pelas quais fiz essa viagem é que, quando trabalhava como professor em Londres, sentia que estava estagnado.
Eu via como as novas tecnologias, as redes sociais e o surgimento do big data (análise de grandes volumes de dados oriundos do uso de internet) estavam dominando tudo ao nosso redor e, de uma hora para outra, meu principal interesse era saber como essas novas tecnologias, incluindo a inteligência artificial, eram aplicadas na área de ensino. Se essas novas tecnologias podem realmente transformar a maneira como aprendemos. Portanto, se a premissa era de que os robôs roubariam nosso trabalho, meu primeiro destino foi o Vale do Silício. Eu pensava que, após a estrondosa derrota de Gary Kasparov (ex-campeão mundial de xadrez) para o (supercomputador) Deep Blue em 1997, a inteligência artificial acabaria com tudo. Mas minha visita ao Vale do Silício me ensinou outra coisa. Lá, eu vi pela primeira vez um professor robô. E não era um androide na frente de uma sala de aula: era, na verdade, um software de inteligência artificial dentro de um ambiente de aprendizado na internet.
BBC News Mundo - Como isso funcionava?.
Beard - Eles tinham um laboratório de ensino onde havia um professor e cerca de dez crianças de cinco anos, cada uma na frente de um computador, com fones de ouvido. Todas as crianças estavam caladas, concentradas no computador, onde havia programas desenvolvidos para ajudá-las no aprendizado de idiomas ou na solução de problemas matemáticos. O interessante era que, ao mesmo tempo em que o programa ajudava os alunos, também "aprendia" com os dados que obtinha em cada sessão quais eram os pontos fracos e fortes daquelas crianças, e adaptava automaticamente essa experiência para a lição seguinte.
Assim, no final, oferecia um programa de aprendizagem quase personalizado, enquanto esses dados eram repassados aos professores, que, por sua vez, contavam com mais informações sobre cada aluno. Este é um exemplo do que acontece: a inteligência artificial não superou os professores, mas se tornou uma ferramenta útil, um complemento muito necessário. Outro exemplo: em 2013, um estudo da Oxford Martin School revelou que 700 profissões poderiam ser substituídas por robôs no futuro, mas nenhum dos empregos relacionados ao ensino — ou seja, professor de escola primária, pré-escola, ensino médio e até mesmo universitários — estavam com os dias contados. E é verdade. Isso acontece porque ensinar é definitivamente um processo humano.
BBC News Mundo - E não há riscos na convivência com os dados e a inteligência artificial?
Beard - Embora a inteligência artificial ou robôs existam, a educação depende da interação humana. Nós aprendemos naturalmente, mas nascemos para aprender em sociedade. No futuro, veremos muitos avanços tecnológicos, mas eles serão incorporados e usados pelos professores. O grande risco é que essa inteligência artificial possa ser melhor que os piores professores em algumas regiões do mundo. E o risco existe porque a inteligência artificial é barata. E talvez não seja melhor que a educação que um professor pode oferecer, mas pelo menos será mais barata. E esse é um grande perigo. Mas essa é a minha versão pessimista do futuro. E acredito que podemos evitá-la se investirmos mais nos professores, em sua formação, o que vai resultar em professores mais especializados e muito mais capazes de lidar adequadamente com as ferramentas tecnológicas.
BBC News Mundo - Você disse várias vezes que os professores são bastante relutantes em aceitar essas novas formas de ensino. Por que isso acontece e como pode ser resolvido?
Beard- Acredito, em primeiro lugar, que ensinar será o trabalho mais importante do século 21.
Estamos vivendo uma era em que os recursos da Terra estão acabando, estamos ficando sem nada. E a única coisa que é ilimitada, o único recurso ilimitado que temos, é a inteligência humana, a engenhosidade humana, nossa capacidade de resolver problemas. Os professores são aqueles que cultivam esse potencial humano. Assim, argumento que ensinar será o trabalho mais importante do nosso século. Não tenho dúvidas, mas no momento não estamos preparando os professores para que sejam bem-sucedidos nesse trabalho. Podemos pegar como exemplo o caso da Finlândia: o curso mais difícil de passar é o de professor de escola primária. E se você entra, o curso em si é bastante rigoroso.É difícil ser aprovado e se formar. No meu mundo ideal, eu formaria professores da mesma maneira que os médicos. Ou seja, os professores se formariam na universidade e depois deveriam passar três anos combinando o ensino com o conhecimento de outros professores mais experientes. Dessa forma, em seu primeiro dia como professores, eles não apenas aplicariam o que aprenderam na universidade, mas também continuariam este processo na companhia de outro professor que os ajudaria a melhorar suas habilidades.
BBC News Mundo - Quais são os principais desafios da educação na América Latina?
Beard - O principal é a questão da desigualdade. Acredito que o sistema educacional na América Latina é significativamente desigual, se compararmos o nível mais alto com o nível mais baixo. Há escolas excelentes, mas a grande maioria delas é acessível apenas aos setores mais ricos da sociedade. E quando você olha para o outro lado, você tem escolas que realmente estão lutando pela sobrevivência.
Essa desigualdade é muito mais evidente entre centros urbanos e áreas rurais. E esse é um desafio a que devemos prestar atenção não apenas de maneira abrangente, mas urgente. Acho que o outro grande desafio é o acesso à educação para muitas crianças. Sem mencionar uma educação de qualidade: há lugares onde as crianças só têm acesso a cinco anos de escola, e nada mais. E o terceiro ponto, acho que o mais crítico, são os professores. Que também é o maior desafio em todo o mundo. Temos de resolver os problemas de formação, mas não apenas isso, de capacitação, de fomento à profissão, para que não troquem a sala de aula por empregos mais bem remunerados. Acredito que precisamos nos questionar sobre vários aspectos: como podemos formar professores melhores dentro das escolas? Como podemos fazer com que ensinar seja uma profissão atraente para as pessoas?
BBC News Mundo - Muitas escolas da América Latina são religiosas ou confessionais. Isso é um obstáculo para um processo de aprendizagem ideal?
Beard - Bom, acho que há dois elementos que são fundamentais no trabalho que a escola faz hoje.
Por um lado, ajuda os alunos a entender quem eles são como cidadãos, como membros de uma comunidade. E transmite os valores dessa comunidade. Por outro lado, existe o objetivo de formar pessoas criativas, comprometidas com a sociedade e que desejam acessar o máximo de conhecimento possível. As escolas religiosas, na maioria dos casos, desempenham muito bem o primeiro papel, mas não podem cair no erro de limitar a execução de projetos educacionais instigantes que ajudem a desenvolver as habilidades necessárias para enfrentar o século 21. Estou convencido de que elas podem fazer isso. Também sei que é difícil porque requer uma mudança cultural, mas se você conseguir separar esses aspectos, poderá desenvolver projetos maravilhosos. Por exemplo, há uma escola em Barcelona chamada Escola Nova 21, administrada por religiosos, mas que ao mesmo tempo é uma das escolas mais futuristas e interessantes de todas as que visitei para documentar no livro.
Lá, eles estão realmente conectados com o tema da tecnologia, os alunos realizam projetos baseados em questões da vida real, onde aprendem a colaborar entre si para resolver problemas em um ambiente natural de aprendizagem. Mas, ao mesmo tempo, todas as professoras são freiras. E viajam pelo mundo falando sobre educação no século 21, sobre como preparar os jovens para enfrentar os atuais desafios econômicos e sociais, como a desigualdade e o aquecimento global.
BBC News Mundo - Outro projeto que você cita no seu livro é o da Khan Academy, que na América Latina funciona, por exemplo, em alguns lugares da Amazônia.
Beard - Sim, um dos desafios que regiões como a América Latina enfrentam constantemente é que há alguns lugares onde o acesso aos centros urbanos é quase impossível.
Por esse motivo, novos modelos devem ser criados, para que jovens e crianças possam receber uma boa educação em locais onde é muito difícil a chegada de professores. E o exemplo da Khan Academy é muito bom porque consegue utilizar de forma adequada as novas tecnologias para criar projetos de educação a distância, que funcionam muito bem e que podem contribuir para o bom desempenho dos estudantes. Mas o fato é que o conceito da Khan Academy necessita de uma infraestrutura de acesso à internet para funcionar. E, além disso, ainda que tenha a infraestrutura, um dos grandes desafios que esses lugares enfrentam é a baixa retenção nos cursos de educação à distância.
Por isso, o que eles estão fazendo lá é revolucionário, porque entenderam o processo de educação à distância, mas não esqueceram da importância dos professores para otimizar a educação oferecida.
BBC News Mundo - 'Estamos caminhando para uma sociedade que compartilha suas ideias, a partir de uma fonte irrestrita de conhecimento'. Esta é uma frase sua, como se traduz esse conceito na educação do futuro?
Beard - Um dos grandes problemas que o sistema educacional atual tem é o fato de estabelecer uma espécie de competição constante entre os alunos.
Na Coreia do Sul, um dos países que visitei para escrever o livro, há um exemplo extremo disso: os alunos fazem uma prova aos 18 anos para estabelecer um ranking nacional que praticamente decide que emprego você pode ter e para qual universidade você pode ir. Basicamente, toda a sua saúde, riqueza e felicidade, e todo o sistema educacional até aquele momento, se traduz essencialmente em uma corrida para alcançar a posição mais alta possível. E isso causa uma série de comportamentos terríveis. Quatro ou cinco anos antes da prova, os jovens passam 15 horas por dia estudando durante a semana, e 12 horas no fim de semana. Eles se tornam muito competitivos nas instituições de ensino.
Eles não compartilham o conhecimento. Não há colaboração. A ideia de desenvolver um projeto paralelo os aterroriza, porque significa que, enquanto estão se dedicando a ele, os outros alunos estão se preparando para o exame. E isso cria um ambiente fechado, com pouca criatividade, sem colaboração. E agora sabemos que esses três valores: abertura, criatividade e colaboração, são fundamentais para o mundo de hoje. Estamos enfrentando desafios que só podem ser superados por meio da colaboração e da imaginação humana. Isso nos obriga a contar com pessoas aptas a desenvolver uma inteligência coletiva, além da inteligência individual. Mas ainda vemos que os estudantes não compartilham conhecimento em nossos sistemas educacionais, tampouco há colaboração, porque estão competindo. Há, inclusive, professores que não aceitam que ninguém diga a eles como podem fazer seu trabalho melhor. Uma das coisas que mais me impressionava quando eu era professor é que nenhum colega vinha à minha sala de aula, e eu tampouco ia às salas de aula de outros colegas. Parece que o que estamos fazendo é tão vergonhoso que não merece ser visto por ninguém. Pessoalmente, acho que precisamos abrir nossas salas de aula.Há vários estudos bastante sérios que demonstram a eficácia de sistemas abertos, onde a criatividade é incentivada, onde são geradas mais ideias. E isso a própria natureza nos ensina: à medida que um animal cresce, consegue ser muito mais eficaz na hora de concretizar e canalizar a energia que precisa para sobreviver.
Este artigo faz parte da versão digital do Hay Festival Cartagena, encontro de escritores e pensadores realizado na cidade colombiana entre 30 de janeiro e 2 de fevereiro de 2020.
FONTE:https://educacao.uol.com.br/noticias/bbc/2020/02/12/ensinar-sera-o-maior-trabalho-do-seculo-diz-professor-que-viajou-20-paises.htm
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020
Analfabetismo no século 21...
Jovens contam como é viver sem ler nem escrever direito na cidade de São Paulo...
"Um cara que não sabe ler é um cego da vida", resume José Webson da Silva, 22, sobre sua própria condição. Meio sem jeito, ele fala de sua vida em busca das letras e dos números que faltam no dia a dia. Como tantos conterrâneos, esse pernambucano de Palmares tinha 17 anos quando fez a travessia para o Sudeste para tentar a vida na quinta maior cidade do mundo: São Paulo, a terra das promessas. Mesmo sendo a mais rica do país, é uma metrópole cheia de histórias de gente que não sabe ler nem escrever um bilhete.
Webson já perdeu emprego porque não conseguiu preencher a ficha do processo seletivo, só enviava áudios pelo WhatsApp e chegou a ficar perdido na estação Sé do metrô porque não entendia as placas. Até quatro meses atrás, quando voltou a estudar, ele só lia quatro palavras: vaca, tatu, macaco e uva --herança ainda da primeira cartilha. Agora, Webson quer sair da estatística que aponta que 17% dos jovens entre 15 e 24 anos são analfabetos ou analfabetos funcionais (que não compreendem textos simples). O número alarmante, colhido pelo Instituto Paulo Montenegro em parceria com o Ibope e divulgado neste ano, faz parte do Índice Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf), criado para aferir o grau de alfabetização dos brasileiros. Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que pesquisou nove regiões metropolitanas do país e reuniu os dados mais recentes de alfabetização dos brasileiros na PNAD (Pesquisa Nacional de Domicílios) divulgada em 2014, o Brasil tem 13 milhões de analfabetos absolutos com mais de 15 anos, definidos como "pessoas que não sabem ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhecem". Eram 8,3% da população em 2013, menos do que os 8,7% dos brasileiros pesquisados em 2012 pelo IBGE.
Já os analfabetos funcionais, definidos como pessoas "com mais de 15 anos e menos de quatro anos de estudo em relação às pessoas da mesma faixa etária", eram 17,8% em 2013, também em queda na comparação com o porcentual de 18,3% apurado em 2012. Segundo o analista Jefferson Mariano, do IBGE, não há microdados sobre analfabetos funcionais na PNAD. "Essa foi uma variável derivada, apenas para a publicação." Diferentemente do IBGE, a pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e Ibope aplicou questionários de alfabetização para definir quem é analfabeto absoluto e também apurar o nível real de aprendizado de quem foi à escola. Foram pesquisadas 2.002 pessoas entre 15 e 64 anos em áreas rurais e urbanas de todo o país. A pesquisa classifica os brasileiros em cinco grupos em diferentes níveis de alfabetização: analfabeto, rudimentar, elementar, intermediário e proficiente. Nesse conceito, analfabeto absoluto é aquele que não consegue realizar tarefas simples, como ler palavras e frases. Quem é capaz apenas de localizar informações explícitas em textos muito simples, como calendários e cartazes com sentenças ou palavras relacionadas ao seu cotidiano, e ler e escrever números familiares --como horários, preços e cédulas de dinheiro-- está no nível rudimentar de alfabetização. A partir do nível elementar, os testes exigem habilidades crescentes de leitura e escrita, com identificação de informações em textos de extensão média até elevada complexidade e realização de operações básicas com números da ordem do milhar até a interpretação de tabelas e gráficos. Essa classificação, segundo o Instituto Paulo Montenegro, permitiu "discriminar melhor o grupo dos alfabetizados funcionalmente, atendendo a uma demanda crescente".
Quando se leva em conta somente jovens e jovens adultos entre 15 e 34 anos, o Inaf aponta que 18% estão nas categorias de analfabeto e alfabetizado rudimentar (ou funcional, que não consegue interpretar o sentido das palavras, expressar suas ideias por escrito nem realizar operações matemáticas mais elaboradas). Estamos falando de 12,5 milhões de brasileiros. Há aqueles que não conseguem ler e escrever, outros só são capazes de operações simples que envolvam letras e números e tem gente que lê, mas não consegue interpretar o conteúdo.
"É uma tragédia para esses jovens", afirma Maristela Miranda, diretora da Alfabetização Solidária --organização ligada ao Centro Ruth Cardoso que dá aulas e treinamentos a professores em todo o país desde 1996. "Vivemos em um mundo letrado, que exige, a todo momento, que a gente se posicione de várias maneiras. E a principal qual é? Uma cultura de mundo letrado. Então, como esse jovem se vira dentro desse mundo?".
Em Pernambuco, Webson chegou a alcançar o segundo ano da Educação de Jovens e Adultos (EJA), mas a mudança para São Paulo e a busca por trabalho o afastaram dos estudos. "O principal fator que entra nessa história é renda. Quanto mais elevada a renda, mais elevado é o nível de alfabetização. Mas, quando a gente fala do jovem que não tem um bom nível, estamos falando da população de mais baixa renda", explica Roberto Catelli Jr, coordenador da Unidade de Educação de Jovens e Adultos, da ONG Ação Educativa.
No caso do jovem com baixa escolaridade, se estabelece um círculo vicioso, segundo Ana Lima, coordenadora do Inaf. Ela afirma que uma pessoa que não tenha ensino médio só receberia oportunidades de trabalho inferiores ao pouco estudo que tem, o que resultaria em poucas chances de se desenvolver mais. Seriam oportunidades pouco qualificadas de emprego, e "a própria atividade dentro do trabalho não vai fazer com que essa pessoa se desenvolva", diz ela. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 26% dos brasileiros com idade entre 14 e 24 anos estavam desempregados no segundo trimestre de 2016.
Problema que vem de longe...
O Brasil vem reduzindo a taxa de analfabetismo nas últimas décadas. Desde o final dos anos 1940, surgiram iniciativas do governo federal, complementares aos programas municipais e estaduais. Uma das mais conhecidas foi o Mobral, criado pelo regime militar. Nos anos 1960, 40% da população brasileira com 15 anos ou mais não sabia ler nem escrever, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Esse número recuou ao longo dos últimos 50 anos, especialmente nas décadas recentes, até chegar a 8,3% em 2013.
A diminuição do analfabetismo não significou, no entanto, alfabetização plena: a população ainda padece de graves problemas, segundo o estudo do Instituto Paulo Montenegro. Em resumo: 1 a cada 4 pessoas está nas faixas mais baixas e consegue lidar minimamente com letras, palavras e números --ou nem isso. Gente como Webson.
"O grave nessa história não é só o número de analfabetos absolutos. É não conseguir ter uma população que avance de maneira significativa", diz o especialista Catelli Jr. "Muitas vezes esses jovens estão estudando nas escolas com as piores condições. O efeito está na educação, mas a causa está muito mais nas condições de vida desse sujeito", acrescenta.
Em 2003, em mais uma iniciativa para combater o analfabetismo, o governo Lula criou o Programa Brasil Alfabetizado, que previa o repasse de verbas da União a Estados e municípios. Em 2010, os investimentos atingiram o pico, com mais de R$ 567 milhões, mas o repasse caiu 80% no ano passado, para cerca de R$ 113 milhões. Além disso, da previsão de 1,5 milhão de alunos matriculados, o programa contabilizava apenas 168 mil em 2015, segundo números do MEC (Ministério da Educação). Ou seja, pouco mais de 10% da meta anual.
Os especialistas temem a paralisação do programa, que o atual governo atribui à administração da ex-presidente Dilma Rousseff. "Em janeiro de 2015, ainda na gestão anterior [de Dilma], ocorreu a suspensão de ativação de turmas, decorrentes das restrições orçamentárias feitas pelo governo anterior", afirma a assessoria do MEC.
O ministério diz que o governo Michel Temer garantiu recursos para o atendimento de 168 mil alunos neste ano e que esse número deve passar a 250 mil no próximo ciclo, a partir de novembro --cada ciclo de ensino dos cursos para jovens e adultos dura oito meses.
Responsável pela pesquisa do Inaf, Ana Lima lembra que a população mais nova, na faixa etária até os 24 anos, já viveu quase que a universalização do ensino fundamental, pelo menos nas séries iniciais. "Então, se tivessem tido uma escola eficaz no propósito de alfabetizá-los, deveria ser praticamente zero a proporção de analfabetos nessa faixa.".
E o que poderia ser uma escola eficaz? Para os especialistas, é uma instituição que desenvolva atividades que sejam capazes de atrair o aluno e mantê-lo na sala de aula. Para a mestre e consultora em EJA (Educação de Jovens e Adultos) Silvia Telles, "grupos de música, e tudo o que é ligado à arte, funcionam para capturar o jovem, na medida em que ele está se soltando e vendo as coisas do seu mundo".
Silvia é educadora há mais de 30 anos e trabalhou com Paulo Freire, uma referência internacional em educação por propor que o ensino se apoiasse em experiências de vida do aluno, não em exemplos sem significação.
No caso do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja) Campo Limpo, escola da periferia de São Paulo onde Willian Victorino de Castro estuda, atrair o aluno e mantê-lo é central. Quase um quarto dos alunos do centro, administrado pela prefeitura, são jovens entre 15 e 24 anos.
"Muitos meninos saem da oitava série, geralmente expulsos por problemas disciplinares, e chegam aqui sem saber escrever o próprio nome",conta a diretora da instituição, Eda Luiz.
No Cieja Campo Limpo, disciplinas convencionais, como língua portuguesa e matemática, são ensinadas a partir de situações-problema. Os alunos debatem e registram, em um "diário de bordo", o que aprenderam, o que fizeram no dia e como aquele conhecimento será útil para cada um.
As aulas em agosto, por exemplo, foram dedicadas às culturas indígenas, com feira de artesanato, palestras, apresentações de dança e bate-papo com índios de várias localidades.
Os especialistas explicam que o educador de jovens e adultos precisa estar em sintonia com o projeto, o que muitas vezes esbarra na falta de capacitação acadêmica. "Os professores vão adquirir a formação em serviço, isso quando há alguém na escola para auxiliá-los. Ou eles usam métodos para alfabetizar crianças. É comum você entrar em sala de aula e ainda observar o 'bá, bé, bi, bó, bu'", diz Silvia Telles, revelando a fragilidade de muitos docentes.
Vergonha e culpa de não saber
A paulistana Dayane Bento Silva, 20, é uma das vítimas do sistema educacional do país. Ela abandonou o ensino fundamental na quinta série, devido ao bullying que sofria dos colegas de escola. Ficou parada muito tempo. Há dois anos, frequenta as aulas do Cieja Campo Limpo e ainda lê com bastante dificuldade. "Umas palavras com h, ch, que não vão, enroscam", explica.
dificuldade. "Umas palavras com h, ch, que não vão, enroscam", explica. Segundo o doutor em educação e coordenador do Núcleo de Ética e Cidadania da Universidade Mackenzie, Ítalo Cúrcio, os adultos levam mais tempo que as crianças para aprender. "O adulto geralmente está trabalhando. A concentração é outra: é o marido, a conta no final do mês que tem que pagar e o dinheiro que não deu?, relata. Além disso, há também vergonha e culpa. "Eles trazem uma culpa muito grande", diz Maristela, da Alfasol.
Parte desse sentimento é reforçada pela escola já que, segundo Catelli Jr., "não temos uma configuração adequada de educação de jovens e adultos que caiba na vida das pessoas ou que tenha o acolhimento necessário para alguém que já teve uma relação ruim com a escola".
Uma nova chance
Wedsolano Muniz, 22, conseguiu essa acolhida nas aulas de EJA do Colégio Santa Cruz, zona oeste de São Paulo. Na escola anterior, avançou pelas séries sem aprender. "Como é que a gente vai passar pra uma série, se você não sabe escrever direito?", pergunta, indignado.
Desde os 13 anos, quando queria trabalhar na feira, ele perde empregos por não conseguir fazer uma conta com rapidez ou ler e escrever o necessário.
Dívida social que temos de pagar
Para Silvia Telles, dado o corte do governo nos investimentos, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) não vai acabar, mas terá menos atenção nos próximos anos. "Não vão excluir totalmente, porque há organismos internacionais que pressionam, como ocorreu, no passado, com o Mobral, quando a ditadura militar precisava dar respostas à ONU [Organização das Nações Unidas], a outros países", diz.
Atualmente, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) monitora 164 países, dentre eles o Brasil, que assumiram em 2000 o compromisso com o "Marco de Ação de Dakar, Educação para Todos: Cumprindo Nossos Compromissos Coletivos", que previa seis grandes metas a serem alcançadas até o ano passado.
No balanço feito, o Brasil atingiu duas: a de universalizar o acesso à educação primária, do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental, e a de incluir meninos e meninas na escola, independentemente do gênero.
Não conseguiu, no entanto, cumprir as outras quatro metas, sendo que uma delas era a de reduzir em 50% o número de analfabetos acima de 15 anos.
Os gestores precisam assumir essa dívida. O problema é nosso e não do público que não quis estudar. Nós, como educadores, de alguma forma falhamos e expulsamos essas pessoas da sala de aula, então como a gente faz para trazê-las de volta?
Redes sociais e rappers
Os especialistas explicam que o grande desafio, para que essas pessoas voltem a aprender, é a falta de motivação para frequentar as aulas. Atualmente, um dos centros para adultos em Hamburgo tem 250 alunos matriculados. Mas é comum que as aulas, que têm em média cinco pessoas em cada classe, sejam individuais.
Para buscar jovens adultos que podem estar mais abertos a aprender, o governo intensificou o apoio a projetos específicos. Um deles, o iCHANCE, se vale de vídeos estrelados por rappers e celebridades da TV nas redes sociais. As campanhas mostram que dificuldades para ler e escrever plenamente podem ser grandes barreiras para coisas simples do dia a dia, como ler uma mensagem no celular.
FONTE:https://www.uol/educacao/especiais/escolaridade-zero.htm#problema-que-vem-de-longe
"Sobre o Pisa: Projeto para Educação brasileira é urgente"
"O Brasil está entre os últimos no ranking da educação mundial, segundo os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), divulgado no último dia 3, e isso nem é mais novidade. É duro, mas a constatação é de que a educação pública do país está estagnada. Onde estamos errando? Por que não conseguimos avançar?
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o governo brasileiro tem buscado melhorar a educação. O Brasil mantém um nível de investimento na área equivalente à média dos países da OCDE e, desde a redemocratização, vem alinhando pouco a pouco suas políticas educacionais às práticas internacionais. Mas a qualidade da aprendizagem permanece muito abaixo da média, como os resultados do Pisa vêm demonstrando edição após edição. E como enfrentar este problema?
O primeiro passo é identificar as causas para o baixo nível de aprendizagem dos nossos alunos e definir uma estratégia que possa nos levar a uma mudança neste cenário.
"Ao longo dos meus 30 e poucos anos no magistério, trabalhando como professor, gestor e pesquisador, concluí que os principais entraves para a obtenção de melhores resultados são: a situação em que se encontram os professores da escola pública; o baixo envolvimento e participação das famílias no processo de aprendizagem dos estudantes; e a precariedade das escolas e do modelo educacional vigente.
Em alguns dos estudos que realizei sobre a rede pública de ensino, identifiquei que o principal problema de seus professores é a baixa motivação. Há um mal-estar generalizado no ambiente público de ensino que os afeta. Essa desmotivação é explicada pela baixa valorização da carreira, pelos baixos salários (o professores brasileiros ganham, em média, o equivalente a 40% do salário médio dos professores nos países da OCDE), pela violência que cerca as escolas, pela dificuldade de lidar com o perfil dos atuais alunos e pelos problemas sociais que os professores precisam enfrentar no seu cotidiano.
Além disso, como já dizia o ex-ministro da Educação Henrique Paim, o maior gargalo da educação brasileira é a formação dos professores. Estes saem das universidades cada vez menos preparados para atuar numa sala de aula. A formação é ineficiente e fora da realidade, carregada de abstrações e com pouca prática. Soma-se a isso o fato de que a maioria dos estudantes que procura o magistério é composta por alunos que tiveram desempenho sofrível no ensino médio. Estudos recentes mostram que tanto a nota de corte do Enem dos ingressantes quanto a nota do Enade dos concluintes dos cursos de licenciatura — que preparam para a atividade docente em áreas como português, matemática e história — é inferior à média registrada por todos os cursos universitários.
O segundo fator que impede o avanço está relacionado às famílias, principalmente aos pais, que, na grande maioria dos casos, não ajudam, não cobram e nem apoiam os gestores e professores na promoção de uma educação de qualidade. Dos pais que têm seus filhos nas escolas públicas, cerca de 70% não têm ensino fundamental completo. Fica difícil para eles de fato contribuírem, palpitarem e até brigarem por uma educação melhor. O que é triste é que a maioria está, inclusive, satisfeita com a escola que aí está.
O terceiro fator tem a ver com a escola em si, sua infraestrutura física e tecnológica, extremamente inadequada para a realidade de hoje. Enquanto muitas escolas particulares atacaram esses problemas com altos investimentos, no setor público ainda encontramos escolas que nos remetem ao século passado, com uma precariedade que dá dó."
"Enfim, são tantos os problemas e desafios com os quais temos de lidar que eu poderia ficar aqui discorrendo horas e horas. Sinceramente, acredito que não conseguiremos sair dessa estagnação se não tivermos um projeto revolucionário para a educação. Um projeto que consiga resgatar a autoestima do professor, que transforme gestores em líderes, que consiga envolver os pais e famílias e que reinvente a escola pública no Brasil. E esse projeto deve ser de todos.
A sociedade civil precisa abraçar essa causa. Colocar toda a culpa nos governos ou deixar tudo na mão deles tem sido o nosso principal erro estratégico como sociedade. Afinal, os maus resultados estão aí. Se não fizermos um verdadeiro mutirão, tenho certeza de que daqui há 20 anos estaremos novamente discutindo o mesmo tema. E, provavelmente, o tempo não será generoso com nossa inércia. Até quando podemos esperar? Até quando vamos aguentar?
*Texto escrito por Renato Casagrande, presidente do Instituto Casagrande. Conferencista, palestrante, escritor, pesquisador e consultor em Educação, Gestão e Liderança no Ambiente Educacional. Também é autor de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior. Doutorando em Educação, é mestre e bacharel em Administração e licenciado em Matemática. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia."
FONTE:https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/educacao-e-midia/sobre-o-pisa-projeto-para-educacao-brasileira-e-urgente/
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o governo brasileiro tem buscado melhorar a educação. O Brasil mantém um nível de investimento na área equivalente à média dos países da OCDE e, desde a redemocratização, vem alinhando pouco a pouco suas políticas educacionais às práticas internacionais. Mas a qualidade da aprendizagem permanece muito abaixo da média, como os resultados do Pisa vêm demonstrando edição após edição. E como enfrentar este problema?
O primeiro passo é identificar as causas para o baixo nível de aprendizagem dos nossos alunos e definir uma estratégia que possa nos levar a uma mudança neste cenário.
"Ao longo dos meus 30 e poucos anos no magistério, trabalhando como professor, gestor e pesquisador, concluí que os principais entraves para a obtenção de melhores resultados são: a situação em que se encontram os professores da escola pública; o baixo envolvimento e participação das famílias no processo de aprendizagem dos estudantes; e a precariedade das escolas e do modelo educacional vigente.
Em alguns dos estudos que realizei sobre a rede pública de ensino, identifiquei que o principal problema de seus professores é a baixa motivação. Há um mal-estar generalizado no ambiente público de ensino que os afeta. Essa desmotivação é explicada pela baixa valorização da carreira, pelos baixos salários (o professores brasileiros ganham, em média, o equivalente a 40% do salário médio dos professores nos países da OCDE), pela violência que cerca as escolas, pela dificuldade de lidar com o perfil dos atuais alunos e pelos problemas sociais que os professores precisam enfrentar no seu cotidiano.
Além disso, como já dizia o ex-ministro da Educação Henrique Paim, o maior gargalo da educação brasileira é a formação dos professores. Estes saem das universidades cada vez menos preparados para atuar numa sala de aula. A formação é ineficiente e fora da realidade, carregada de abstrações e com pouca prática. Soma-se a isso o fato de que a maioria dos estudantes que procura o magistério é composta por alunos que tiveram desempenho sofrível no ensino médio. Estudos recentes mostram que tanto a nota de corte do Enem dos ingressantes quanto a nota do Enade dos concluintes dos cursos de licenciatura — que preparam para a atividade docente em áreas como português, matemática e história — é inferior à média registrada por todos os cursos universitários.
O segundo fator que impede o avanço está relacionado às famílias, principalmente aos pais, que, na grande maioria dos casos, não ajudam, não cobram e nem apoiam os gestores e professores na promoção de uma educação de qualidade. Dos pais que têm seus filhos nas escolas públicas, cerca de 70% não têm ensino fundamental completo. Fica difícil para eles de fato contribuírem, palpitarem e até brigarem por uma educação melhor. O que é triste é que a maioria está, inclusive, satisfeita com a escola que aí está.
O terceiro fator tem a ver com a escola em si, sua infraestrutura física e tecnológica, extremamente inadequada para a realidade de hoje. Enquanto muitas escolas particulares atacaram esses problemas com altos investimentos, no setor público ainda encontramos escolas que nos remetem ao século passado, com uma precariedade que dá dó."
"Enfim, são tantos os problemas e desafios com os quais temos de lidar que eu poderia ficar aqui discorrendo horas e horas. Sinceramente, acredito que não conseguiremos sair dessa estagnação se não tivermos um projeto revolucionário para a educação. Um projeto que consiga resgatar a autoestima do professor, que transforme gestores em líderes, que consiga envolver os pais e famílias e que reinvente a escola pública no Brasil. E esse projeto deve ser de todos.
A sociedade civil precisa abraçar essa causa. Colocar toda a culpa nos governos ou deixar tudo na mão deles tem sido o nosso principal erro estratégico como sociedade. Afinal, os maus resultados estão aí. Se não fizermos um verdadeiro mutirão, tenho certeza de que daqui há 20 anos estaremos novamente discutindo o mesmo tema. E, provavelmente, o tempo não será generoso com nossa inércia. Até quando podemos esperar? Até quando vamos aguentar?
*Texto escrito por Renato Casagrande, presidente do Instituto Casagrande. Conferencista, palestrante, escritor, pesquisador e consultor em Educação, Gestão e Liderança no Ambiente Educacional. Também é autor de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior. Doutorando em Educação, é mestre e bacharel em Administração e licenciado em Matemática. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia."
FONTE:https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/educacao-e-midia/sobre-o-pisa-projeto-para-educacao-brasileira-e-urgente/
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