terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Analfabetismo funcional: novos dados, velhas realidades

Chama atenção a porcentagem de adultos no nível proficiente de alfabetização no Brasil - apenas 12% -, apesar do aumento da taxa de escolaridade

Alfabetização adultos

A edição 2018 do Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional) acaba de ser divulgada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa. Não há boas notícias. O termo “analfabetismo funcional” se aplica aos indivíduos com entre 15 e 64 anos de idade que se situam nos níveis 1 e 2 de uma escala de 5 pontos – seria como tirar menos de 4 numa prova.
Embora sem novidades, alguns aspectos do estudo chamam a atenção. O primeiro é que houve um aumento gigantesco na taxa de escolaridade da população nesses últimos 18 anos, período em que o Inaf vem coletando dados. Apesar disso, continua baixo o nível de pessoas funcionalmente alfabetizadas. Na população total, o nível de analfabetismo funcional se reduziu de 39% para 30% da população entre 2001 e 2018. Nos níveis elementar e intermediário fomos de 48% para 59%, ou seja, cerca de 10% morreram ou deixaram de ser analfabetos funcionais e se encontram no nível elementar de alfabetismo funcional.
Também chama atenção a porcentagem de adultos no nível proficiente – apenas 12% -, e isso não mudou ao longo deste século, apesar do aumento da taxa de escolaridade. Este dado é ainda mais grave do que parece:  apenas 34% das pessoas com nível superior encontram-se nesse nível. Este dado combina com o que sabemos do Pisa – apenas 16% dos brasileiros atingem o nível 3 do Pisa, nível considerado minimamente adequado para o indivíduo fazer qualquer tipo de reflexão a partir de uma leitura.
O nível de escolaridade da força de trabalho continua alarmante. Essencialmente a base do setor produtivo é formada por um exército de Brancaleone: 25% dos trabalhadores são analfabetos funcionais e outros 25% possuem o nível elementar, são capazes apenas de “selecionar uma ou mais unidades de informação observando certas condições, em textos diversos de extensão média realizando pequenas inferências”. Ou seja: são incapazes de ler e compreender um manual de instruções. É mais ou menos o que se passava na Inglaterra no século XVIII.
Os relatórios do Inaf – sempre de altíssima qualidade – podem ser lidos como capítulos adicionais de Cem Anos de Solidão: nada muda em Macondo. As iniciativas para ajudar os adultos não apresentam resultados. E o sistema escolar, embora produza mais diplomados, não produz mais gente capaz de usar a leitura para fazer bom uso dela.
Os que advogam a expansão desenfreada da educação encontram aqui um rico material para reflexão: não adianta expandir sem qualidade. Educação de adultos tal como é oferecida também não produz impacto. O setor produtivo não tem sido capaz de qualificar as pessoas no trabalho. Remediar continua sendo mais caro e menos eficaz do que prevenir. Mas o sistema educacional não tem funcionado como um bom preventivo: 70% dos que já concluíram as séries iniciais são analfabetos funcionais e 33% dos que concluíram as séries finais encontram-se nesse mesmo nível. Olhando no reverso do espelho: apenas 1%, 4% e 12% dos concluintes das séries iniciais, finais e ensino médio, respectivamente, atingem o nível proficiente. Este é o Brasil em que nos encontramos em 2018.

Não tenha medo: Mercado de trabalho valoriza diploma EAD...

Uma dúvida recorrente de quem pensa em se matricular em um curso de graduação ou pós-graduação no formato EAD (Educação a Distância) é se o diploma é bem-visto no mercado de trabalho. Segundo Eliane Aere, diretoria da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Digital), na percepção dos departamentos de RH e das lideranças das empresas, a modalidade EAD tem sido tão aceita quanto a presencial. "Se é presencial ou EAD não faz a menor diferença na hora do processo seletivo. O que analisamos é a carga horária e a avaliação do curso no MEC", diz a especialista, ressaltando que, com exceção das áreas de saúde e engenharia, que exigem o aprendizado prático em laboratórios, praticamente todas as disciplinas ministradas online têm certificação reconhecida nas empresas.

iStock

Na opinião dela, a EAD abriu portas. "Os cursos a distância estão permitindo que mais pessoas, que até há pouco tempo não tinham condições de fazer uma faculdade ou pós-graduação, conquistem um diploma que refletirá positivamente na sua carreira", declara. Zilma Carvalho, coordenadora dos cursos de pós-graduação EAD do Senac, diz que grande parte dos que optam pela formação a distância já atua no mercado de trabalho e precisa de flexibilidade. "Muitos alunos que estão fazendo pós-graduação já são profissionais e costumam fazer muitas viagens de negócio, impossibilitando o ingresso em um curso presencial. Com a EAD, ele pode acessar a aula de qualquer lugar e concluir o seu curso tranquilamente." Para ela, alunos que concluem um curso a distância mostram uma grande capacidade de concentração e organização. "Quem opta por esta modalidade deve ser organizado e dedicado porque esses cursos têm um conteúdo mais extenso do que os presenciais", diz. Paulo de Tarso, vice-presidente de educação continuada do Grupo Kroton, é da mesma opinião. "O aluno precisa ser muito mais disciplinado para concluir o curso. No presencial, tem o professor que está em cima para ele não desviar o foco e prestar atenção na aula. No EAD, ele precisa se preparar para assistir a aula porque não terá o apoio de ninguém na hora", afirma. Ele ainda destaca que os cursos da modalidade EAD oferece um conteúdo mais denso. "O conteúdo teórico do EAD é muito mais completo do que o das aulas presenciais. O professor consegue transmitir todos os conceitos sem interrupção e com a mesma intensidade. Dificilmente ele conseguiria atingir o mesmo resultado em um curso presencial com muitos alunos", declara Tarso.

Bullying - Brasil não possui lei nacional contra a prática...

Na semana passada, a divulgação do caso de uma ONG que pagou a cirurgia plástica de uma adolescente vítima de bullying gerou polêmica nos Estados Unidos.
Especialistas criticaram a medida, argumentando que as vítimas devem aprender a se defender da situação. 

Direto ao ponto: Ficha-resumo 

A estudante Nadia Ilse, 14 anos, sofria assédios diários na escola por causa de sua aparência. Os colegas a chamavam de “Dumbo”, em razão do tamanho de suas orelhas. Ela chorava, sentia vergonha de si mesma e dava desculpas para faltar às aulas. 
Quando a mãe descobriu, procurou ajuda na Little Baby Face Foundation, com sede em Nova York. A ONG decidiu financiar a operação, que aconteceu em junho.Segundo a organização, a cirurgia era necessária para recuperar a autoestima da adolescente. 
Bullying (do inglês bully, valentão) é uma palavra nova para uma prática antiga e recorrente em escolas. O termo define atos de violência física ou psicológica praticados com frequência contra um indivíduo, que não consegue se proteger. 
As vítimas são crianças e adolescentes que se distinguem do grupo pela aparência física, comportamento introspectivo ou pertencimento a grupos minoritários (étnicos, sociais, sexuais ou religiosos).
As agressões são classificadas em três tipos: emocional, verbal e física. Elas acontecem, na maior parte dos casos, sem o conhecimento de professores e pais. O bullying ocorre principalmente na escola, mas também na família, na vizinhança ou no trabalho. O surgimento das redes sociais trouxe outra vertente, o cyberbullying, que é quando a pessoa sofre assédio via internet, por e-mails, blogs, comunidades virtuais ou celulares.

Massacres 

Foi somente nos últimos anos que os casos passaram a chamar a atenção de educadores, da imprensa e de autoridades. Os primeiros movimentos antibullying surgiram em países de língua inglesa – Estados Unidos, Canadá e Reino Unido – nos anos 2000. Campanhas de prevenção ganharam a simpatia de personalidades como a cantora pop Lady Gaga. Suicídios e massacres envolvendo vítimas de bullying começaram a ser relatados a partir dos anos 1990, nos Estados Unidos.
Um dos casos mais conhecidos de suicídio é o da estudante Phoebe Prince, 15 anos. Ela se matou em 14 de janeiro de 2010 após sofrer durante meses a perseguição de colegas de classe, por conta de sua origem irlandesa. A tragédia teve repercussão internacional e levou o Estado de Massachusetts a criar uma lei contra o bullying (outros 47 Estados americanos possuem legislação semelhante). 
Vítimas também podem se tornar agressores. Nos Estados Unidos, dois adolescentes autores do Massacre de Columbine, que deixou 15 mortos em 1999, assim como o atirador do Massacre de Virgínia (33 mortos), em 2007, diziam-se alvos de chacotas dos colegas. O mesmo teria acontecido com o responsável pela morte de 12 crianças na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, ocorrido no ano passado.

 Legislação.

Há duas abordagens no combate ao bullying: a pedagógica e a jurídica ou penal. Educadores e pedagogos acreditam que o problema deve ser tratado com educação, junto aos professores, alunos e familiares dos envolvidos. Hoje existem programas especiais nas escolas públicas e privadas que previnem, identificam e tratam o problema. Na esfera jurídica, não há no Brasil uma lei nacional específica sobre o tema. Mas nos últimos anos foram criadas leis municipais e estaduais, além de projetos de leis federais que tramitam no Congresso. Na cidade de São Paulo, por exemplo, um lei sancionada em 2009 pelo prefeito Gilberto Kassab determina que escolas de ensino básico devem incluir, em seu projeto pedagógico, medidas de prevenção e combate ao bullying. O Congresso também deve votar este ano a reforma do Código Penal, que inclui a criminalização do bullying. 
A lei prevê penas de 1 a 4 anos de prisão, para maiores de 18 anos. No caso de os agressores serem menores, serão cumpridas medidas socioeducativas. A proposta foi aprovada por uma comissão de juristas e o projeto tramita no Senado.
Hoje, os processos judiciais envolvendo bullying são baseados em leis como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Constituição, o Código Penal e até o Código de Defesa do Consumidor, que responsabiliza a escola pela segurança dos alunos. 
Quase um terço (30,8%) dos estudantes brasileiros já foram vítimas de bullying, de acordo com uma pesquisa do IBGE realizada em 2009. A maior parte (35,9%), segundo a pesquisa, aconteceu em escolas particulares. Outro levantamento, feito em 2010, revelou que a forma mais comum acontece via internet.
O assunto é importante porque envolve discussões sobre educação, preconceito, intolerância e violência. Votações no Congresso, campanhas e a atenção da imprensa aos casos de bullying manterão o interesse da sociedade no tema.

FONTE:https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/bullying-brasil-nao-possui-lei-nacional-contra-a-pratica.htm

Volta às aulas aos 90 anos: os idosos que decidiram ir à faculdade...

No Brasil, há 18,9 mil universitários que possuem entre 60 e 64 anos e mais 7,8 mil acima dos 65. Nos dias em que tem aula, o aposentado Elpídio Neto de Oliveira, de 70 anos, coloca a mochila nas costas e caminha por 50 minutos, com botinas surradas pelo tempo, até o campus da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), em Alto Araguaia (MT). Ele ingressou na unidade de ensino no inicio de 2016. Atualmente, cursa o quinto semestre de Letras - ao todo, são oito.
O aposentado Carlos Augusto Manço também retomou os estudos na terceira idade. Aos 90 anos, iniciou o curso de Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Ele concluiu o ensino médio na juventude e desde então sonhava em cursar uma universidade. Porém, dificuldades financeiras o impediam de concretizar o sonho.

Centro Universitário Barão de Mauá

Aos 67 anos, a agente de Educação Infantil Dulce Araújo conquistou o diploma de Pedagogia. Ela conta que o pai e o marido a impediram de estudar quando era mais nova. Em razão disso, passou grande parte da vida se dedicando à família. Décadas mais tarde, o desejo que tinha desde a infância se realizou: foi aprovada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Moisés Bandeira/Assessoria Unemat

Elpídio, Carlos e Dulce são retratos de brasileiros que não tiveram a oportunidade de fazer um curso superior na juventude e aproveitaram a terceira idade para estudar. No Brasil, há 18,9 mil universitários com idades entre 60 e 64 anos. Na faixa etária acima dos 65, o número é de 7,8 mil pessoas. Os dados incluem instituições públicas e privadas. As informações constam no Censo de Educação Superior de 2017, levantamento mais recente. Os dados não especificam a quantidade de idosos que estão fazendo curso superior pela primeira vez.
Para Maria Candida Soares, pesquisadora em envelhecimento humano pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), cursar uma universidade pode trazer benefícios aos idosos, como a atualização de conhecimentos, visão de um novo momento sociocultural e a possibilidade de buscar uma nova carreira.
"Muitos conseguem ter acesso ao tão sonhado diploma universitário apenas na velhice. Mesmo que não seja para o exercício de uma atividade profissional, eles podem buscar uma universidade pelo prazer, mérito e reconhecimento em ter concluído o ensino superior, algo que ainda não está disponível para todos os indivíduos", diz à BBC News Brasil.
A população idosa do Brasil tem crescido a cada ano. De 2012 a 2017, a quantidade de idosos aumentou em 18% no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para as próximas décadas, a estimativa é de que o número cresça ainda mais.

Arquivo pessoal

Segundo o IBGE, pessoas com 65 anos ou mais corresponderão a 25,5% da população em 2060. Em 2018, tal faixa etária corresponde a 9,2%. "Nessa perspectiva de aumento da população idosa, o contexto nas universidades deverá ser alterado com o passar dos anos", diz Maria Candida. Segundo ela, cada vez mais se tornará comum a presença de idosos em cursos superiores.

'Não queria ser chamado de analfabeto'

 Elpídio abandonou a escola em 1964, aos 16 anos. Na época, fazia o quinto ano do ensino fundamental. "Tive que largar os estudos para trabalhar, porque meus pais ficaram doentes e eu precisava ajudar em casa", relata à BBC News Brasil. Desde então, não parou mais de trabalhar na propriedade rural da família, em Ponte Branca (MT).
Quase cinco décadas depois, o idoso se aposentou e decidiu retomar os estudos. O principal motivo que o levou a voltar às salas de aula, conta, foram comentários que ouviu durante a vida. "Muitas pessoas falavam que eu era analfabeto e isso me deixava encabulado", declara.

Isabella Bucci

As críticas o motivaram a se matricular no programa Educação de Jovens e Adultos (EJA). "Já estava aposentado e tinha mais tempo para enfrentar os estudos. Antes, a minha vida era só trabalhar na roça." Em três anos, concluiu o ensino fundamental e o médio, por meio do EJA. Depois, se inscreveu no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e conseguiu uma vaga no curso de licenciatura em Letras, com habilitação em português e inglês.
Ele comenta que escolheu o curso porque sempre quis ser professor. "Talvez eu não chegue a dar aulas. Mas se puder, vou dar." Para se dedicar aos estudos, o idoso se mudou de cidade. Ele deixou a região rural de Ponte Branca e foi para a área urbana de Alto Araguaia, junto com a esposa, com quem vive há 40 anos. "Eu tive que sair da minha cidade para ficar mais próximo da universidade", justifica. Há três anos, o casal, que não tem filhos, mora em um conjunto habitacional. Ele possui certa dificuldade para compreender os conteúdos das aulas, mas afirma que sempre se esforça para ter um bom desempenho. "As minhas ideias são curtas e não entendo com facilidade os conteúdos, mas a disciplina vai passando e vou aprendendo." A casa do aposentado é distante do campus da universidade. Ele estuda no período noturno, suas aulas começam às 19h. Diariamente, ele sai de casa às 17h30 para fazer a caminhada até a Unemat. "Aqui onde moro não tem ônibus que leva para a universidade. As únicas opções são ir andando ou pagar táxi ou mototáxi. Quando estou atrasado, chamo um mototáxi, mas não é sempre, porque não tenho dinheiro pra isso", explica o universitário, que tem a aposentadoria como única fonte de renda.
Mesmo com as dificuldades, o aposentado, que planeja se formar no fim de 2020, não falta a nenhuma aula. "Sei que se eu faltar, vou perder o conteúdo e isso pode me prejudicar. Então, mesmo que chova, dou um jeito de ir. Tenho que me dedicar para terminar o curso, porque quando me formar, pelo menos vou saber que não vou morrer analfabeto", diz.
Arquitetura aos 90 anos A dedicação aos estudos também é uma característica de Carlos Augusto. Aos 91 anos, ele concluiu, em dezembro, o segundo semestre de Arquitetura e Urbanismo. Desde a juventude, o idoso planejava fazer um curso superior. Ele adiou o sonho por mais de meio século. "Devido à situação financeira, não consegui cursar uma universidade antes. Eu tinha que trabalhar e, além disso, teria de sair de Ribeirão Preto, onde sempre morei, para fazer uma faculdade ", comenta.
A escolha pela Arquitetura e Urbanismo foi motivada pela profissão que ele exerceu ao longo da vida. Carlos aprendeu a desenhar na juventude, durante o primeiro emprego, logo após servir ao Exército. Anos mais tarde, fez curso profissionalizante de projetista em uma escola técnica. Por 35 anos, trabalhou como desenhista profissional no câmpus da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. No local, ajudou a projetar áreas da instituição de ensino e do Hospital das Clínicas, pertencente à USP.
No começo de 2018, Carlos, agora viúvo, pai de dois filhos, com oito netos e quatro bisnetos, decidiu retomar o sonho da juventude. Ele confessa ter ficado em dúvida sobre a área em que iria estudar. "Eu criava orquídeas, então, pensei em fazer Biologia. Mas como a minha profissão da vida foi desenhista, optei pelo ramo da Arquitetura." A família do aposentado ficou receosa, a princípio, com o fato de ele iniciar um curso superior aos 90 anos. "Nossa maior preocupação era em relação ao aprendizado dele com os jovens, pois a educação era diferente há 70 ou 80 anos", diz a confeiteira Isabela Bucci, uma das netas de Carlos.
O idoso foi aprovado no vestibular. Em razão da idade, a universidade concedeu bolsa de 50% a ele. Carlos paga cerca de R$ 800 por mês, com recursos da aposentadoria. Os parentes se revezam no transporte do idoso, que estuda no período noturno, à universidade. Assim como Elpídio, ele também não gosta de faltar às aulas. Entre os colegas de turma, ficou conhecido pelo apelido de Juventude. Carlos conta que tem boa relação com os jovens da turma e os auxilia com o conhecimento que adquiriu ao longo da carreira de projetista. Eles também o ajudam. "Eu sei fazer quase tudo. Mas muitas vezes esqueço algo e recorro à molecada da sala", comenta, aos risos.
A rotina pacata de outrora deu lugar ao cotidiano atribulado. O idoso, porém, não reclama. "Acabou a 'forga' que eu tinha antes da universidade", diverte-se. Para Carlos, a maior dificuldade tem sido rever conteúdos que havia aprendido na carreira. "Estou aprendendo de outra maneira sobre assuntos que já conhecia", explica. Depois de formado, ele não planeja voltar a trabalhar, em razão da idade. Ele afirma que o principal objetivo ao entrar na universidade foi realizar o sonho de ter um curso superior.
Planos adiados, mas nunca esquecidos O sonho de fazer um curso superior também acompanha Dulce Araújo desde a juventude. Na infância, ela conta que costumava passar com o pai em frente ao prédio da UERJ, nas proximidades do Maracanã, e ficava encantada. "Aquela universidade era o meu sonho. Eu tinha paixão quando passava em frente àquele prédio cinza", diz à BBC News Brasil.
Ela concluiu o ensino fundamental, mas relata que foi impedida pelo pai e pelo então namorado de seguir para o ensino médio. "Parei de estudar quando comecei a me relacionar com o meu marido. Ele não queria que eu continuasse na escola. O meu pai era militar e concordava com ele", lamenta. Ela se casou, teve dois filhos e tornou-se dona de casa. Em 2004, aos 54 anos, Dulce começou a fazer diferentes cursos profissionalizantes, como um de informática. Em uma das aulas, um professor a incentivou a fazer o ensino médio. "Ele disse: 'volta, o cérebro da gente é uma caixinha de surpresas. Se você retornar, as coisas vão voltando aos pouquinhos'", relembra.

As palavras do docente a incentivaram a procurar o programa Educação de 
No período, ela e o marido chegaram a se separar. "Até hoje não sei o motivo da separação. Ele apenas me disse que não queria mais. Não acho que tenha a ver com o fato de eu ter começado a trabalhar e estudar, porque ele não comentava nada sobre isso." Por volta de 2007, ela prestou concurso público para agente de Educação Infantil, na capital do Rio de Janeiro, e foi aprovada. Cinco anos depois, aos 62 anos, passou a exercer a função em uma creche da cidade. "A idade nunca me impediu de nada. Não gosto de ficar parada e precisava trabalhar. O concurso foi muito importante para mim."Em 2012, ela fez um curso pré-vestibular para se preparar para disputar uma vaga na UERJ. No mesmo ano, fez a prova e passou para Pedagogia. "Quando soube da aprovação, foi uma emoção muito grande", relembra. Em 2013, ela iniciou o curso superior. "No começo, eu tinha um pouco de vergonha. Mas depois percebi que eu tinha o mesmo direito de estar ali que os mais jovens", diz.
Dulce conta que a universidade foi um período importante em sua vida. "Eu aprendi muita coisa boa. Havia várias faixas etárias na turma. Eu era a mais velha, mas isso não me afetava. Nunca tive nenhuma crítica por estar ali." Ela se recorda que um dos dias mais emocionantes foi a primeira vez em que entrou no prédio da UERJ, nas proximidades do Maracanã. Para ela, foi uma forma de realizar o sonho de infância. "Foi muito gratificante estar ali como estudante", diz, com a voz embargada.
A idosa teve de conciliar a função de servidora pública com a vida universitária. Dulce trabalhava no período vespertino e estudava à noite. "Era complicado, mas dava certo. Muitas vezes, eu chegava atrasada, mas geralmente os professores compreendiam. Eu ia do serviço direto para a universidade", conta. A rotina de estudos, segundo ela, era intensa. "Eu me dedicava muito. Havia dias em que chegava em casa à noite e ficava até de madrugada estudando as apostilas."
Em julho do ano passado, o marido dela morreu. Eles haviam retomado o casamento, quando ele ficou doente. Ela passou a cuidar do homem nos últimos meses de vida dele. "Quando ele faleceu, eu tinha que entregar a minha monografia, mas não estava conseguindo. Os professores, então, entenderam a minha situação e estenderam o prazo", comenta. Em setembro, ela apresentou a monografia. "Fui aprovada com nove. Fiquei muito feliz", diz.
m outubro de 2017, ela se formou. "Nunca reprovei em nenhuma disciplina. Era para ter concluído o curso antes, mas as paralisações atrasaram o cronograma", pontua. A cerimônia de colação de grau foi um dos momentos mais emocionantes para a idosa. "Foi uma sensação muito boa. Chorei muito. A minha neta, de um ano, ficava me chamando quando eu estava no palco. Eu chorando e ela me chamando. Ainda me emociono quando lembro", relata.
Hoje com 68 anos, Dulce continua trabalhando como agente de Educação Infantil em uma creche e pensa em se tornar professora do ensino fundamental. "Até os 70 anos, posso fazer concursos. Se surgir a oportunidade, farei, sim", comenta. Ela afirma que não pensa em se aposentar. "Não gosto de ficar em casa, parada. Gosto do meu trabalho e de estar sempre fazendo atividades, como ir ao cinema ou sair com amigos", diz. Em 2019, ela planeja fazer pós-graduação.


Aprendizado 

Estudiosa sobre a velhice, Maria Candida explica que a presença de alunos idosos é também uma forma de aprendizado para os mais jovens. "Eles trazem benefícios a toda a comunidade acadêmica. A vivência com os idosos desmistifica tabus e concepções equivocadas. Esse é um ganho fantástico para os jovens, que terão outro olhar e uma concepção diferente sobre o envelhecimento humano e o indivíduo idoso."

 "Há uma demanda reprimida de idosos que gostariam de cursar graduação ou pós-graduação somente pelo prazer do estudo e da aquisição de novos conhecimentos. Mas ainda estamos condicionados a receber alunos que irão se formar para ingressar no mercado de trabalho, como força produtiva. Muitas vezes, é difícil compreender o estudo pelo prazer de apenas estudar", acrescenta.

Para Dulce, os idosos não devem ter medo de ingressar em uma universidade. "Eu tinha esse temor, mas hoje vejo que não devemos pensar que a idade nos impede. Estudar é uma forma de nos sentirmos atualizados e úteis. Além disso, você melhora sua saúde física e mental." Elpídio reforça que é possível iniciar um curso superior em qualquer fase da vida. "Nunca é tarde. Sempre dá tempo", diz.

FONTE:https://educacao.uol.com.br/noticias/bbc/2019/01/02/volta-as-aulas-aos-90-anos-os-idosos-que-decidiram-ir-a-faculdade.htm